Agitar as ruas
Tenho lido muitas críticas nos últimos dias sobre um documento do comité central da UPG, publicado na semana passada, sobre a necessidade de aproveitar os conflitos sociais para criar consciência social e motivar a militância. Os conflitos sociais ou laborais sempre serviram para motivar os militantes ou para atrair para a causa aqueles afetados por esse conflito, pelo que não vejo nada de novo neste comunicado. Exceto, claro, que o que se percebe é um certo relaxamento na militância, menos combativa e mais burguesa do que noutras épocas, e que se quer recuperar o antigo espírito de combate que os animava nas suas origens. O BNG, e o seu partido rector, a UPG, é agora um partido do sistema, com muitos dos seus membros a ocupar cargos de gestão em concelhos e diputações, outros como parlamentares e alguns mais como assessores ou cargos de confiança. Além disso, o BNG e a UPG contam com o apoio de parte das elites culturais e económicas do país, dado o seu éxito político e organizacional, ou seja, já não estão representados só entre os setores populares. Como acontece em qualquer outro partido numa democracia burguesa como a galega. Além disso, é um partido que atualmente faz parte do núcleo de partidos que apoiam o governo espanhol, com o qual mantêm um diálogo muito bom, algo que não se adequa muito bem a um partido soberanista de esquerda. Neste caso, é previsível que os militantes tenham perdido boa parte da sua capacidade de agitação, entre outras coisas porque esta pode virar-se contra eles próprios, uma vez que ocupam cargos de poder nas instituições.
Mas para que uma organização como a velha U obtenha os seus melhores resultados, precisa de um certo compromisso militante. Foi concebida como um partido leninista, que entre os partidos é o equivalente a um automóvel todo-o-terreno, talvez não excessivamente atraente por fora, mas resistente e fiável a longo prazo. Este tipo de partidos precisa de um núcleo de militantes profissionalizados e muito dedicados à causa, algo que pode perder se se integrar na dinâmica dos partidos convencionai. Neste caso a dura Lei de Ferro das Oligarquias de Michels se tornaria presente, e os seus quadros lutariam mais para conservar os seus cargos e privilégios do que polas causas que outrora os inspiraram. Daí o apelo do seu Comité Central à mobilização.
Não só isso, se levarmos em conta as teorias da sinalização tão apreciadas por alguns sociólogos, é preciso enviar à sociedade sinais que identifiquem os seus membros. Um partido com estas características tem necessariamente de ter um programa difícil de aceitar para os não iniciados. Desta forma, mantém-se a coesão no grupo e evita-se a chegada de oportunistas atraídos pelos cargos. Isto explica por que razão continuam, em muitas ocasiões, a manter um discurso político mais próprio da Guerra Fria do que da modernidade líquida de hoje. Os desvios do consenso social , como no caso da Guerra da Ucrânia ou da Venezuela, que à primeira vista podem parecer estranhos, fazem parte, na minha opinião, dessa estratégia de sinalização. Somente alguém que esteja inserido nos seus debates internos e conheça bem o seu ideário pode compreender as razões dessas tomadas de posição, que muitas vezes são difíceis de sustentar fora dos ambientes políticos.
Mas esta estratégia também pode ter problemas, se o que se procura é obter maiorias eleitorais. O velho Lenin dizia que preferia poucos mas seguros, mas em ambientes políticos como o nosso, esta forma de agir, ainda que facilite a persistência no tempo, pode dificultar a abertura a setores sociais que um dia poderiam dar-lhes o governo da Xunta. Mas é cousa dos seus dirigentes decidir sobre isso, e e, até agora, não lhes tem ido mal.
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